São consideradas indicações do tratamento da hepatite C:
- VHC RNA detectável, ALT persistentemente elevada e biópsia hepática demonstrando fibrose portal, independente da atividade inflamatória;
- portadores de cirrose compensada;
- usuários de álcool ou drogas que tenham condições de aderir ao tratamento;
- portadores de doença mais leve, transplantados (exceto fígado) e aqueles com manifestações extra-hepáticas do VHC têm indicação discutível de tratamento;
- no caso de pacientes com transaminases normais, não há consenso, mas o tratamento é recomendável se houver fibrose moderada/severa;
- portadores de co-infecção HCV-HIV, se a infecção pelo último estiver controlada.
Interferon alfa e ribavirina
Interferons são glicoproteínas produzidas por células infectadas por vírus. Até agora foram identificados três tipos: o alfa, produzido por linfócitos B e monócitos, o beta, por fibroblastos e o gama, por linfócitos T-helper e NK. O IFN-alfa age diretamente contra o vírus e também aumenta a resposta imune. No entanto, o tratamento apenas com o IFN-alfa apresenta apenas 10-19% de resposta sustentada. Há dois tipos de IFN-alfa, o IFN-alfa-2a e IFN-alfa-2b, aparentemente com eficácias semelhantes.
A ribavirina é uma análogo sintético da guanosina que tem ação direta contra vírus RNA e DNA, por provável mecanismo de inibição da DNA polimerase vírus-dependente. A ribavirina sozinha, no entanto, não tem qualquer efeito sobre a hepatite C.
A combinação do interferon-alfa com a ribavirina melhora a resposta virológica sustentada para 38-43%, com correspondente melhora na análise histológica (biópsia) e, possivelmente, nas complicações a longo prazo da hepatite (mas para esse último faltam estudos prospectivos a longo prazo).
Hoje, recomenda-se a terapia combinada na seguinte dosagem:
- interferon alfa 3.000.000 unidades por via subcutânea 3 vezes por semana;
- ribavirina 1.000 mg ao dia por via oral em < 75 kg e 1.200 mg em > 75 kg.
Infelizmente, os melhores resultados do tratamento são naqueles pacientes com doença que naturalmente seria mais benigna:
- genótipo do vírus que não seja o 1;
- baixa viremia (quantidade de vírus no sangue);
- ausência de fibrose ou cirrose ao início do tratamento.
Assim, são considerados fatores de menor resposta ao tratamento:
- genótipo 1;
- alta viremia (> 800.000 UI/mL);
- fibrose avançada ou cirrose compensada (a descompensada contra-indica o tratamento);
- obesidade;
- raça negra;
- uso descontinuado ou redução na dose da medicação (sendo o primeiro pior que o segundo);
- idade avançada;
- consumo de bebida alcoólica
- acúmulo de ferro no fígado.
Mesmo na ausência de fatores benéficos ao tratamento, ele deve ser realizado, mas recomenda-se que dure 48 semanas, ao contrário das normais 24 semanas (nos pacientes acima, não há melhora significativa da resposta dobrando-se o tempo de tratamento, mas nos casos mais severos sim).
Efeitos colaterais do tratamento com interferon alfa e ribavirina na hepatite C |
Leucopenia |
Neutropenia |
Trombocitopenia |
Anemia hemolítica |
Fadiga |
Depressão e outros transtornos psiquiátricos |
Sintomas "gripais": febre e dores musculares |
Sintomas gastrointestinais: náuseas e perda do apetite |
Sintomas respiratórios: tosse e falta de ar |
Dificuldade no controle de diabetes |
Disfunção na tireóide: hiper ou hipotireoidismo |
Sintomas dermatológicos: descamações (rash) e perda de cabelos |
Risco aumentado de defeitos de nascença em grávidas |
As pessoas em tratamento deve ser acompanhadas freqüentemente. Exames laboratoriais são necessários a cada 1-2 semanas durante os primeiros 2 meses e depois a cada 4-8 semanas. Dosagens periódicas de hormônios tireoidianos são necessários.
Indivíduos em tratamento, sejam homens ou mulheres, devem manter o uso de método anticoncepcional efetivo durante e até 6 meses após o final do tratamento. Não é contra-indicado o uso de anticoncepcionais orais.
A dosagem do vírus (por método de PCR - polimerase chain reaction) é realizada classicamente antes, ao final do tratamento e 3 meses após se houve negativação ao final do tratamento, para avaliar a presença de resposta virológica sustentada (ausência persistente do vírus circulante no sangue).
Há uma tendência a pesquisar o vírus mais precocemente, com 4 ou 12 semanas de tratamento, para verificar se o mesmo está surtindo efeito e, se estiver, possivelmente reduzir o tempo previsto de tratamento. A resposta virológica rápida, com queda de 2 logs (dois pontos na carga viral expressa por logaritmo) entre o início e 12 semanas de tratamento, é chamada de resposta virológica precoce.
São consideradas contra-indicações ao tratamento com interferon e ribavirina:
- anemia (hemoglobina < 12 g/dL em mulheres e < 13 g/dL em homens);
- leucopenia (leucócitos < 1.500 / mm3);
- plaquetopenia (plaquetas < 100.000 / mm3);
- hepáticas (transaminases normais; cirrose descompensada);
- cardiovascular (coronariopatia);
- endocrinológica (diabetes descompensado);
- doenças autoimunes;
- neuropsiquiátricas (vertigens; doença psiquiátrica severa);
- obstétrica (gestação ou incapacidade de anticoncepção).
Interferon peguilado (ou peginterferon)
Associando a molécula polietilenoglicol ao interferon, conseguiu-se produzir uma nova modalidade de interferon com absorção e eliminação mais lentas. Graças a isso, o interferon peguilado pode ser administrado por via subcutânea apenas uma vez por semana e ainda manter um nível no sangue contínuo, mais adequado que as três administrações semanais do interferon comum - o resultado são melhores resultados e uma discreta menor incidência de efeitos colaterais.
Interferon Peguilado | Dose | Apresentações | Observação |
IFN-Peg alfa-2a | 180 mcg | 180 mcg | Mais estável, dose independe do peso |
IFN-Peg alfa-2b | 1,5 mcg/kg | 80, 100 e 120 mcg | Instável, deve ser diluído e aplicado logo em seguida |
Em monoterapia (apenas o interferon alfa peguilado), a taxa de resposta virológica sustentada é de 39%, com resultados ainda maiores com a associação peginterferon + ribavirina:
Resposta ao tratamento (%) | ||||||
Resposta virológica sustentada | IFN 3 MU 3x/sem | IFN 3 MU 3x/sem + ribavirina 1,0-1,2 g/d | PEG IFN 1,5 mcg/kg/sem | PEG IFN 1,5 mcg/kg/sem + ribavirina 800 mg/d | ||
Laboratório | Manns* | Laboratório | Manns* | |||
Geral | 19 | 46 | 47 | 39 | 52 | 54 |
Genótipo 1 | - | 33 | 33 | - | 41 | 42 |
Genótipos 2-3 | - | 73 | 79 | - | 75 | 82 |
Genótipos 4-6 | - | - | 38 | - | - | 50 |
* Manns MP et al and the International Hepatitis Therapy Group: Peginterferon alfa-2b plus ribavirin compared with interferon alfa-2b for initial treatment of chronic hepatitis C: a randomized trial. Lancet 2001; 358:958
Fórmula estrutural do interferon alfa padrão (à esquerda) e peguilado (à direita). Laboratório Roche.
Hoje, considera-se como tratamento mais eficaz a associação do peginterferon com a ribavirina. Nos pacientes com vírus genótipos 2 e 3 , que têm resposta muito melhor, recomenda-se o tratamento por 24 semanas (6 meses). Nos pacientes com VHC genótipo 1, recomenda-se por 48 semanas.
Novas perspectivas
Outras drogas estão sendo desenvolvidas e testadas para a hepatite C, que atuam no mecanismo de replicação do vírus, ao invés de ter atividade sobre o sistema imune. Atualmente, a medicação mais promissora desse tipo é a chamada VX-950, que tem mostrado melhora nas taxas de resposta virológica na associação com o interferon e a ribavirina, em comparação com o uso das duas drogas em conjunto, ou no seu uso isolado, em comparação com placebo. No entanto, já há descrição de indução de mutação do vírus com o seu uso, o que torna necessário mais estudos antes que seja utilizado clinicamente.
A utilização crônica (prazo indeterminado) de baixas doses de interferon peguilado em pacientes não respondedores com fibrose avançada, com o objetivo de reduzir a progressão da doença, ainda está em estudo. Até o momento não há dados que permitam este uso fora de protocolos de pesquisa.
Respostas ao tratamento
São consideradas respostas positivas ao tratamento:
- resposta virológica rápida - PCR negativo na 4a. semana de tratamento;
- resposta virológica precoce - PCR negativo na 12a. semana de tratamento ( a ausência de RVP, ou a queda na carga viral inferior a 2 logs na 12a. semana indicam uma probabilidade de RVS inferior a 3%);
- resposta virológica lenta - PCR positivo na 12a. semana, negativo na 24a. semana;
- resposta virológica ao final do tratamento - PCR negativo ao final do tratamento;
- resposta virológica sustentada - PCR negativo 24 semanas após o final do tratamento (indica probabilidade de 95% de manter PCR negativo, ALT normal e melhora histológica por tempo indeterminado, o que alguns cnsideram como "cura" da doença).
Manuseio dos efeitos colaterais
- sintomas "gripais" como hipertermia, dores musculares e articulares e prostração geralmente são tratados com paracetamol ou dipirona; nenhum dos dois, no entanto, é isento de efeitos colaterais - o paracetamol pode ser tóxico ao fígado em doses excessivas e a dipirona pode ter efeitos graves (embora raros) independentes da dose, como reações anafiláticas e anemia aplástica;
- a hemólise (destruição de hemácias) pela ribavirina ocorre de modo significativo em cerca de 15% dos pacientes; se a queda na hemoglobina for superior a 5 g/dL, pode ser necessário reduzir a dose da medicação; quedas mais severas podem ser tratadas com eritropoetina (epoetina alfa), com melhora de cerca de 2 g/dL em metade dos pacientes, podendo evitar a redução e/ou a suspensão da medicação;
- a leucopenia (redução nos leucócitos) causada pelo interferon (especialmente pelo peguilado) pode predispor ao surgimento de infecções, embora infecções graves só costumem surgir se a leucopenia for severa (abaixo de 500 neutrófilos/mm3); geralmente, recomenda-se redução na dose do IFN quando a leucopenia chegar a 750 neutrófilos/mm3; o uso de fator estimulador de colônia de granulócitos/macrófagos (como o filgrastim, na dose de 300 mcg/dL SC a cada 7 ou 14 dias) pode reduzir a necessidade de redução na dose do interferon;
- a plaquetopenia é comum, sendo recomendada a redução na dose do interferon se chegar a uma quantidade inferior a 50.000 plaquetas/mm3, quando há um risco aumentado de sangramentos, que podem ser graves; alguns pacientes apresentam quadro de plaquetopenia rápida e severa por destruição autoimune das mesmas (púrpura trombocitopênica auto-imune), sendo necessária a suspensão do interferon e em alguns casos imunossupressão; não há tratamento específico para aumentar a quantidade de plaquetas.
Situações especiais
- na hepatite C aguda, embora tal diagnóstico seja incomum pela quase ausência de sintomas (mas possível, especialmente se investigada logo após o contato com sangue contaminado), o tratamento com interferon peguilado em monoterapia pode levar a resposta virológica sustentada em mais de 80% dos pacientes; a maioria dos especialistas recomenda aguardar de 8 a 12 semanas após o contato e, se não houver negativação espontânea, tratar por 24 semanas;
- ainda não há consenso sobre o tratamento da hepatite C em crianças;
- nos portadores de insuficiência renal crônica ou em hemodiálise, o tratamento é recomendado sempre que houver atividade inflamatória e fibrose, independente do nível de transaminases; como o tratamento com interferon induz rejeição do transplante renal e a ribavirina está contra-indicada por levar a hemólise severa, recomenda-se o tratamento pré-transplante renal, com interferon convencional em monoterapia, na dose de 3 MU três vezes por semana (após as sessões de hemodiálise) durante 12 meses, independente do genótipo.